Ninguém no seu perfeito juízo, ou mesmo bêbado, pode alguma vez pensar que eu sugira limitar a liberdade de imprensa. Mas, como na vida de todos nós, também há prioridades. Ontem, domingo, na primeira página do Público lia-se, com enorme destaque, o seguinte título: "Portugal ainda tem 656 celas onde reclusos fazem dejectos num balde". Ao lado, num tamanho de letra muito mais pequeno podíamos ler: "Reforma da rede de urgências acentua crise". Eu não tenho, graças a Deus, nenhum problema urgente de saúde. Também não acho que todos os pecados que cometi, embora me possam levar ao inferno, me levem alguma vez à prisão. Dito isto, parece-me razoável supor que sou um leitor não comprometido com as partes interessadas. Daí que me julgue com todo o direito de dizer que pôr como notícia não só de primeira página mas também com o destaque dado pelo Público, que há 656 celas em Portugal onde há ainda baldes para os presos depositar os dejectos, parece-me uma escolha jornalística lamentável. Não porque ache que a existência de baldes seja de menor importância que a crise das urgências, Deus me livre! Mas por uma questão de elegância. Contudo, se por hipótese este problema excrementício fosse inevitavelmente de interesse nacional, julgo que seria muito mais positivo se o Público anunciasse: "Prisioneiros felizes: Portugal apenas tem 656 celas onde os reclusos fazem dejectos num balde". Este tema sim mereceria a primeira página e a crise das urgências podia, certamente, ser relegada à sua insignificância.
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Textos de Carlos Quevedo lidos diariamente pelo actor Vitor Emanuel na Antena Um, antes das sete da tarde.
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